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Decisão do STF sobre terço de férias pode custar R$ 100 bi às empresas

Associação Brasileira de Advocacia Tributária se prepara para apresentar embargos

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a incidência de contribuição previdenciária patronal no terço de férias pode provocar um rombo de cerca de R$ 100 bilhões no caixa das empresas. Essa quantia foi projetada pela Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat) levando em conta a possibilidade de a Fazenda Nacional cobrar os valores que não foram pagos no passado.

Há risco se os ministros não modularem os efeitos da decisão, ou seja, não fixarem uma data para a aplicação do novo entendimento. Advogados dizem que a maioria das empresas não estava recolhendo a contribuição com base em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em caráter repetitivo, que serve de orientação às instâncias inferiores.

Muitas resolveram simplesmente parar de pagar, sem recorrer à Justiça. Essa situação é a mais frágil, segundo advogados, porque a Fazenda Nacional não terá nenhum empecilho para fazer as cobranças e exigir os pagamentos não realizados nos últimos cinco anos. Essas empresas, sem a modulação dos efeitos, terão que fazer provisões.

Há casos, ainda, de empresas que deixaram de recolher a contribuição e, além disso, usaram os valores pagos no passado como crédito para quitar outros tributos. Essas compensações, agora, poderão ser anuladas pela Receita Federal e o contribuinte poderá receber uma multa de 50%.

Outras companhias têm decisões judiciais transitadas em julgado garantindo o não pagamento. Mas essas também não estão totalmente protegidas. A Fazenda poderá ingressar com ações rescisórias para tentar reverter as decisões e exigir o recolhimento da contribuição.

O governo federal, segundo a Abat, arrecada por ano cerca de R$ 200 bilhões com a contribuição previdenciária patronal. O terço de férias, se contabilizado, representaria entre 10% e 12% desse total. Essa é a base para a projeção de que, se cobrados os últimos cinco anos, as empresas terão que desembolsar entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões.

A entidade, que atua como parte interessada no processo que tramita no STF, iniciou um movimento para tentar sensibilizar os ministros e já se prepara para apresentar embargos de declaração com efeitos infringentes – para tentar modificar a decisão, tomada no fim de agosto. O recurso só pode ser protocolado depois da publicação do acórdão.

A Abat vem atuando em duas frentes: agendamento nos gabinetes dos ministros para audiências e entrega de memoriais e a elaboração, em conjunto com outras entidades, dos embargos que serão apresentados contra a decisão.

Os contribuintes vão tentar, primeiro, com que os ministros reavaliem o tema. “Porque os principais fundamentos do recurso e da sustentação oral não foram objeto de análise”, diz o advogado Halley Henares Neto, presidente da entidade.

Um deles, afirma, é sobre o conceito de salário de contribuição. Segundo o advogado, existem dois critérios: a habitualidade do pagamento e a natureza remuneratória, que exige contraprestação (o funcionário recebe o valor e presta um serviço em troca). “O STF não olhou os dois aspectos, só a habitualidade, e em tese isso pode mudar todo o caminho da interpretação”, frisa.

Henares Neto diz que existe uma lei federal, a nº 13.485, de 2017, que trata sobre o pagamento do terço de férias pelos municípios. A norma atribui natureza indenizatória à verba – o que a libera de tributação. Para o presidente, não faz sentido classificar o pagamento de forma distinta para o setor privado.

A entidade vai insistir ainda com os ministros que se trata de questão infraconstitucional e, por esse motivo, não poderia ter sido analisada pelo STF.

Como segunda opção, caso os ministros mantenham o entendimento de que há incidência de contribuição previdenciária sobre o terço de férias, a Abat pedirá, então, a modulação dos efeitos – para que tal entendimento seja aplicado somente para o futuro.

Fábio Berbel, sócio do escritório Balera, Berbel e Mitne, não descarta a possibilidade de os ministros fazerem a modulação de forma espontânea e essa informação já constar no acórdão. “Esse, talvez, seja o caso mais típico de uma necessidade de modulação. Eu não me lembro de nenhum contexto em que havia tanta segurança jurídica e foi alterada radicalmente”, diz.

A mudança pegou o mercado de surpresa. Os ministros alteraram a jurisprudência com ampla maioria de votos: 9 a 1. A maioria acompanhou o voto do relator, o ministro Marco Aurélio. Ele entendeu que o terço de férias é verba paga periodicamente como complemento à remuneração (RE 1072485).

“O que se espera do Judiciário é, no mínimo, coerência das suas decisões. E, desta vez, isso não ocorreu”, avalia Pedro Ackel, do escritório WFaria. O advogado diz isso em razão de outros dois julgamentos.

Em um deles, o RE 892238, em 2016, os ministros decidiram que não havia repercussão geral sobre o tema que tratava da contribuição do empregado sobre o terço de férias. “A contribuição do empregado e a do empregador têm previsão na mesma lei, fazem referência à mesma base de cálculo”, diz Ackel.

Ele trata também do RE 565160, de 2017, em que os ministros afirmaram não caber ao STF decidir sobre a natureza jurídica de verbas, se remuneratória ou indenizatória.

Para o procurador Paulo Mendes, que coordena a atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no STF, não se pode aplicar a conclusão do RE 565160 ao julgamento de agora. O recurso sobre o terço de férias, diz, tramitava de forma paralela.

Mendes afirma ainda que a discussão não estava pacificada no Judiciário. “Para a modulação de efeitos temos que ter uma confiança justificada na jurisprudência. Como se diz que existe essa confiança se o tema estava afetado, desde 2018, como repercussão geral? Os ministros não disseram que se tratava de matéria infraconstitucional.”

O procurador diz que antes disso havia decisões monocráticas favoráveis à cobrança – ARE 1048172, por exemplo. A questão da natureza da verba, se remuneratória ou indenizatória, acrescenta, foi enfrentada, agora, e não haveria motivo para reverter, em embargos, a decisão. “Foi o âmago desse julgamento.”

Paulo Mendes também confirma que serão ajuizadas ações resciórias para tentar reverter decisões favoráveis aos contribuintes. Há discussão sobre o prazo para a apresentação das rescisórias. Os contribuintes entendem que são dois anos contados do trânsito em julgado. Já a interpretação da PGFN é de que o artigo 535 do Código de Processo Civil estabelece a data da decisão do STF para o início da contagem.