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Lei regulamenta acordo em precatórios federais

Norma regulamenta acordos diretos da União para o pagamento com desconto de até 40% dos precatórios de grande valor

Por Valentina Trevor

Foi publicada em 14/9, a Lei nº 14.057 de 11 de setembro de 2020. Originária do PL 1581/2020, a norma regulamenta acordos diretos da União para o pagamento com desconto de até 40% dos precatórios de grande valor.

Para o autor, deputado Marcelo Ramos, o PL estimula uma saída consensual entre a União e os credores ao regulamentar o pagamento com desconto do precatório de grande valor — aquele que, sozinho, supera 15% da dotação orçamentária total reservada para essa finalidade a cada exercício. “Essa regulamentação já foi feita em alguns estados e no Distrito Federal. Durante a discussão na Câmara apuramos que, somente em 2020, o Orçamento destinou R$ 24 bilhões ao pagamento de precatórios”, revela Marcelo Ramos.

O projeto autorizava que enquanto durar o estado de calamidade pública, os descontos conseguidos através de acordos judiciais sejam destinados para políticas contra a Covid-19.  No entanto, esse trecho foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que alegou que “a proposição possibilita ampliar as despesas para o enfrentamento da pandemia, sem apresentar a estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro”, além de que “dificulta e enrijece a gestão do orçamento público ao ampliar as vinculações de despesas e receitas”.

Também foi vetado o parágrafo que previa a destinação de recursos de acordos dos precatórios referentes ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) de, no mínimo, 60% do valor, na forma de abono, aos profissionais do magistério ativos, inativos e pensionistas.
Para a advogada Maria Danielle Rezende, especialista na área contencioso tributário e aduaneiro do Lira Advogados,  a gestão orçamentária precisa ser preservada. Para ela, “embora se tenha um apelo social muito intenso, quando se trata de investimento para enfrentamento da Covid-19, bem como educação, como o abono de professores, tecnicamente nos parece acertado o veto”.

O advogado Heber Wedemann, sócio do Balera, Berbel e Mitne lembra também que essa questão já foi apreciada pelo Tribunal de Contas (TCU) e, caso o trecho não fosse vetado, a lei iria gerar um conflito com o entendimento fixado pela corte de contas.

Bolsonaro também vetou outros pontos da proposta, o mais polêmico deles foi o veto ao trecho que previa o perdão de dívidas de igrejas com a Receita Federal. Em sua justificativa, o governo alegou que “ao afastar a incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os templos de qualquer culto, bem como prever a nulidade das autuações realizadas de forma retroativa, estendendo a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘b’, da Constituição da República, por meio do caráter interpretativo da norma proposta, percebe-se que não foram atendidas as regras orçamentárias para a concessão de benefício tributário, em violação ao art. 113 do ADCT, art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 2000 (LRF) e art. 116 da Lei nº 13.898. de 2019 (LDO), podendo a sanção incorrer em crime de responsabilidade deste Presidente”.

Outro ponto vetado foi o inciso I  do 1º parágrafo do artigo 3º, que dispunha que o valor apresentado nos autos pelo credor é determinante nas propostas de acordos terminativos de litígio quando ausentes os valores oferecidos nos autos pelo perito ou pelo contabilista do juízo. O governo entendeu que este ponto dificulta a negociação, sobretudo em situações em que o cálculo exceda o valor que o ente público compreende como devido.
Bolsonaro também vetou os parágrafos 4 e 5 do artigo 3º, que ensejam a possibilidade de promover o adiantamento, ainda que com deságio, de despesas com condenações judiciais a serem arcadas pelo erário federal em curto e médio prazos.

“Sempre há intensa discussão quanto à ordem cronológica de pagamento, alterar esse critério, além de gerar quebra na isonomia dos credores, prejudicará o controle de despesas públicas”, ressalta Maria Danielle Rezende.

Leandro Lucon, especialista da área tributária e sócio do escritório Finocchio & Ustra Advogados, não vê o projeto como vantajoso para os credores, já que a medida significará diminuição de valores em fluxo,uma vez que a previsão de entrada integral poderá não ocorrer.

Ele lembra que de acordo com o Decreto nº 10.295, a União Federal havia disponibilizado cerca de 24 bilhões da receita do exercício atual para pagamento de precatórios e sentenças. “Esses valores poderão ser reduzidos e/ou diferidos, a depender da aprovação e dos acordos que venham a ser realizados”.

Ele afirma que os vetos “visam proteger muito mais o poder público do que os credores, especialmente quando impedem, por exemplo, o adiantamento nos pagamentos, um dos grandes benefícios da versão original do projeto de lei aos credores e que foi vetada.”
Apesar da publicação da lei, há pontos que ainda não têm efetividade imediata, pontua o advogado Heber Wedemann. Uma das lacunas é no que tange aos honorários advocatícios, já que o texto não diz se o desconto afetará também os honorários. “Em relação aos honorários advocatícios, ele era negociado no mercado de forma autônoma e a gente não sabe como isso vai ser daqui pra frente. A gente acha que, do ponto de vista técnico, tem uma lacuna importante”.

Estados

No contexto da pandemia da Covid-19, o JOTA identificou que apenas o Governo do Ceará editou decreto que trata de acordos em precatórios. O Decreto nº 33.711 de 12 de agosto de 2020, dispõe sobre a realização de acordos em precatórios, excepcionalmente, no período até 31 de dezembro deste ano.
De acordo com o texto, fica excepcionalmente autorizada, junto a todos os Tribunais, a realização de acordos em precatório do Estado do Ceará independentemente de audiências presenciais, a ser viabilizada dentro dos próprios autos do requisitório, por escrito. No período de vigência do decreto, as propostas de acordo serão fixas, nos percentuais previstos no Decreto Estadual nº 32.225/2017.

Além disso, o Decreto determina que fica acrescida em 10% (dez por cento) a proposta em caso de credor com idade acima de 70 (setenta) anos ou portador de doença grave definida em lei.

Adiamento

Outro tema que surge quando se fala em precatórios é o adiamento do pagamento. Enquanto alguns veem nesta medida uma saída para a crise — pois contribui para redução do déficit primário dos cofres públicos, por não representar saída de receita, sendo ao mesmo tempo uma medida de contenção momentânea dos débitos da União Federal e dos Estados –, outros enxergam o adiamento como pouco eficaz, já que medidas similares foram tomadas em outros momentos e pouco se alterou a situação econômica à época.

A advogada Maria Danielle Rezende ressalta que a postergação é boa para o devedor, porque ele “ganha um respiro para organizar as contas”, mas não traz vantagem nenhuma para o credor, que terá um período maior de espera e uma atualização baixa de valores.  Segundo ela, a vantagem maior é para estados devedores, que devem muito e conseguem um “respiro no caixa com a postergação”.
Essa também é a opinião de Leandro Lucon. Para ele, “ o adiantamento beneficia diretamente os devedores, na medida em que permite reduções e postergações no pagamento, evitando que a União e os estados disponibilizem esses valores no momento de crise”.

No caso da União, Lucon vê o parcelamento como prejudicial para os credores já que o pagamento de precatórios tem se mantido regular. Já para os estados, que ainda se mantêm devedores quanto ao estoque de pagamento de precatórios, a medida pode ser uma alternativa para recebimento dos créditos com mais agilidade.
Para Lucon, o “lado ruim da medida é que o adiamento e a concessão de descontos incentiva o atraso no pagamento pelos estados, e acabam “empurrando” o credor para um acordo. Esse fator poderá atingir, inclusive, os precatórios federais, cuja ordem de pagamento é regular e não encontra atrasos, atualmente”.

O que são precatórios?

Os precatórios são requisições de pagamento expedidas pelo Judiciário para cobrar de municípios, estados ou da União, assim como de autarquias e fundações, valores devidos após condenação judicial definitiva.  Os precatórios estão regulamentados pelo artigo 100 da Constituição Federal e a ordem de pagamento está prevista nos parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo. São priorizados os de natureza alimentícia, os de titulares maiores de 60 anos, dentre outros.
Cabe aos Tribunais de Justiça estaduais organizar e manter as filas de precatórios devidos pelo estado e pelos municípios que estão sob sua jurisdição. Ao expedir a ordem de pagamento contra a Fazenda Pública, o Tribunal dá início a um processo de precatório, que recebe numeração própria e é incluído em lista organizada de acordo com a ordem cronológica e prioridades, seguindo as normas legais.

As requisições recebidas no tribunal até 1º de julho de um ano, são autuadas como precatórios, atualizadas nesta data e incluídas na proposta orçamentária do ano seguinte. Os precatórios autuados após esta data serão atualizados em 1º de julho do ano seguinte e inscritos na proposta orçamentária subseqüente. O prazo para depósito, junto ao tribunal, dos valores dos precatórios inscritos na proposta de determinado ano é dia 31 de dezembro do ano para o qual foi orçado.