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Novo Decreto Federal sobre a COVID-19 amplia o conceito de “atividades essenciais” – Mas qual é o seu efeito prático?

Por Pedro Vasconcellos

Nessa quarta-feira (29/04/2020) foi editado o Decreto nº 10.329, alterando o Decreto nº 10.282/20, que regulamenta a denominada “Lei da COVID-19” (Lei nº 13.979/20). Analisando as alterações, resta nítida a deferência da novel normatização ao entendimento proferido pelo Plenário do STF ao referendar a medida cautelar concedida pelo Ministro Marco Aurélio na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341. No aludido julgamento, entendeu a Corte que o Presidente da República pode dispor sobre serviços públicos e atividades essenciais, desde que se preserve a autonomia de cada ente federativo em relação à realidade local.

Nesses exatos termos, interessante observar, dentre as alterações, a inclusão do §9º ao art. 3º, positivando o entendimento esposado quando da apreciação em Plenário da medida cautelar em comento. No mesmo sentido, alguns dos incisos do §1º do art. 3º tiveram suas redações adaptadas para se amoldar à realidade específica da União – como, por exemplo, o inciso V (que excluiu o transporte intermunicipal e o de passageiros por táxi ou aplicativo dos serviços considerados essenciais) e o inciso XXXVIII (que acrescentou a expressão “da União” às atividades de assessoria e consultoria jurídicas).

Vale destacar, ademais, algumas inclusões que merecem destaque, como a inclusão das atividades de produção, distribuição, comercialização e entrega de produtos de limpeza e de materiais de construção no rol das atividades essenciais (inciso XII). O mesmo desfecho foi dado a atividades como comercialização, assistência técnica e locação de veículos (incisos XLIV e XLVI), além de outras.

Sem adentrarmos no mérito – político ou médico-sanitário – sobre a pertinência ou não da classificação de tais serviços e atividades como essenciais, fato é que a alteração legislativa introduzida pelo Decreto 10.329 parece adicionar pouco ou nenhum efeito prático à realidade vivenciada pelos mais de cinco mil municípios existentes no Brasil, que podem, independentemente do disposto no Decreto Federal, compreender pela essencialidade ou não de determinada atividade no contexto de suas realidades locais. Mais ainda, como externalidade negativa, podemos acabar testemunhando um aumento de demandas que instem o Poder Judiciário a se manifestar sobre os contornos da legislação local vis-à-vis as disposições previstas no Decreto Federal – e, eventualmente, vivenciarmos ainda mais o já rotineiro efeito “acende-apaga” de liminares que determinam a abertura ou o fechamento de atividades em diversos municípios.

Nesse sentido, solução que nos pareceria mais escorreita teria sido a de o Pretório Excelso se posicionar pela possibilidade de a União editar apenas um “núcleo duro” de atividades e serviços que não poderiam ser interrompidos, eis que petreamente classificados como essenciais pelo Decreto Federal (tais como serviços médicos, hospitalares e de telecomunicações), permitindo-se, consequentemente, que estados e municípios lhes conferissem densidade normativa suficiente para adicionar outras atividades que se amoldassem aos seus contextos particulares.

Infelizmente, no entanto, o que temos atualmente é um Decreto Federal com nada menos do que 53 (cinquenta e três) incisos prevendo um sem-número de atividades e serviços essenciais – assim classificados ao menos até a página dois, dado que, nos termos da decisão do STF, faculta-se aos estados e municípios legislarem de acordo com suas idiossincrasias, ainda que de forma contrária ao estabelecido no Decreto Federal. Em tempos de pandemia, o que menos deseja o jurisdicionado é que o Poder Judiciário veja sua atuação ainda mais assoberbada – e, quiçá, trôpega – face a edição de disposições que nada acrescentam, na prática, ao combate à pandemia da COVID-19.