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Prescrição intercorrente: artigo 40 da LEF à luz da jurisprudência do STJ

Por Letícia Silva Esquiapati
Advogada Tributarista no Balera, Berbel & Mitne Advogados
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No sistema jurídico brasileiro, as ações de cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública – tanto da União quanto dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – são regidas pelo disposto na Lei nº 6.830/1980 – Lei de Execuções Fiscais (LEF) e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil (Art. 1º da LEF[1]). Em outras palavras, em se tratando de uma ação de Execução Fiscal proposta pela Fazenda Pública, é necessário primeiramente recorrer à LEF para, só então, no caso de não haver previsão nessa, recorrer ao Código de Processo Civil (CPC).

É nessa seara que se desenvolve a presente explanação, que busca analisar a aplicabilidade do Art. 40 da LEF à luz da jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especificamente por meio do entendimento sedimentado pela Primeira Seção do referido Tribunal quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.340.553 – RS, sob o regime dos recursos repetitivos, que teve seu acórdão publicado em 16/10/2018 e transitou em julgado em 14/05/2019 (Temas: 566 a 571 do STJ).

Dispõe o artigo 40 da LEF:

“Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º – Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º – Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º – Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4º – Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.(Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 5º – A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4º deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei nº 11.960, de 2009) (grifado)”

Tendo por base o dispositivo supra, a Primeira Seção do STJ, quando do julgamento do REsp nº 1.340.553 – RS, sob o regime dos recursos repetitivos, firmou entendimento a respeito da sistemática aplicável para a contagem da prescrição intercorrente prevista em tal artigo, especialmente nos casos nos quais o executado não é encontrado, ou quando não são encontrados quaisquer bens penhoráveis, firmando as Teses 566 a 571, que dispõem:

Tese 566: “O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 – LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução.”

Tese 567 e 569: “Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável.”

Tese 568: “A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens.”

Tese 570 e 571: “A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/73, correspondente ao art. 278 do CPC/2015), ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial – 4.1., onde o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.”

Após a leitura das teses supra transcritas resta inequívoco que, não havendo a citação de qualquer devedor, o que interromperia a prescrição, e/ou não sendo encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, o que poria fim à inércia processual, inicia-se automaticamente a sistemática prevista nos parágrafos do art. 40 da LEF, o que se encontra, inclusive, sumulado pelo STJ por meio da Súmula nº 314 do STJ, que dispõe:

Súmula nº 314: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”

Sendo assim, no primeiro momento em que for constatada a não localização do devedor e/ou de bens sobre os quais a penhora possa recair, deve o Fisco ser intimado de tal situação, momento no qual será automaticamente iniciado o prazo de suspensão previsto no caput do art. 40, independentemente da existência de pronunciamento do Juízo ou de petição, por parte da Fazenda, requerendo a suspensão do feito a fim de realizar diligências ou qualquer outra justificativa que não a de observância ao disposto no artigo susodito.

É dizer, o que deverá ser obrigatório e exclusivamente observado, é que a Fazenda Pública tenha ciência da não localização do devedor e/ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, pois satisfeita tal exigência automaticamente inicia-se o prazo de suspensão previsto no caput do art. 40 da LEF, o qual terá como termo final o prazo de 1 (um) ano a contar da referida ciência, período no qual, embora suspensa, a Execução Fiscal ficará com vista dos autos aberta à Fazenda Púbica, tal como dispõem os parágrafos 1º e 2º do mesmo dispositivo.

Em seguida, assim que terminado o prazo de um ano de suspensão, inicia-se o prazo prescricional intercorrente (durante o curso do processo) de 5 (cinco) anos, tendo em vista que se trata de crédito tributário que possui prazo quinquenal previsto no art. 174 do Código Tributário Nacional (CTN), durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição.

Assim, quando exauridos os 6 (seis) anos após a ciência da Fazenda Pública da não localização do devedor e/ou de bens penhoráveis – somados o prazo de suspensão dos autos (um ano) e o prazo prescricional quinquenal ocorrido no curso do processo (cinco anos) – desde que não haja a ocorrência de causas suspensivas e/ou interruptivas da prescrição ou a localização do devedor e/ou de bens penhoráveis, a Execução Fiscal será atingida pelo fenômeno da prescrição intercorrente, que poderá ser reconhecida e decretada de ofício pelo Juiz, após ouvir a Fazenda Pública (Art. 40, §4º, da LEF), e trará como consequência a extinção da Dívida Ativa exigida nos autos.

Insta destacar que para que seja interrompido o curso da prescrição intercorrente é necessária a ocorrência de efetiva citação (ainda que por meio de edital) e constrição patrimonial, vez que o mero peticionamento em juízo, requerendo, por exemplo, a penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens, não bastam para tal interrupção, já que a localização do devedor e/ou de bens penhoráveis deve ser feita pelo Poder Judiciário e não pelo Exequente. Entretanto, se encontrado o devedor e/ou bens em decorrência de providência requerida antes do final do prazo prescricional, ainda que esse tenha se exaurido, esse retroagirá até a data do protocolo da petição que requereu providência frutífera. A esse respeito dispôs, especificamente, o STJ no julgamento do REsp nº 1.340.553 – RS, in verbis:

“[…] 4.3.) A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) deverão ser processados, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois, citados (ainda que por edital) os devedores e penhorados os bens, a qualquer tempo – mesmo depois de escoados os referidos prazos –, considera-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera.[…] (grifado)”

Por fim, resta consignar que, se ao final do prazo de 6 (seis) anos a Fazenda Pública for intimada do decurso do prazo prescricional, sem ter sido intimada nas etapas anteriores, terá nesse momento e dentro do prazo para manifestar-se, a oportunidade de providenciar a localização do devedor ou de bens passíveis de penhora e apontar a ocorrência, no passado, de qualquer causa que tenha interrompido ou suspendido a prescrição, sob pena de ser reconhecida a prescrição intercorrente.

[1] Art. 1º – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.