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Sistema S deveria ter fiscalização mais rígida

Natureza peculiar das chamadas contribuições ao Sistema S desperta divergências

Por Zinia Baeta e Gabriel Vasconcelos – De São Paulo e do Rio

A natureza peculiar das chamadas contribuições ao Sistema S desperta divergências. Por se tratar de dinheiro público, administrado por entidades privadas, a forma de fiscalização dessas verbas e as possíveis sanções por desvios de finalidade são pontos em aberto nas discussões entre especialistas.

Essas contribuições estão previstas na Constituição Federal – artigos 149 e 240 – e regulamentadas por leis e decretos. São compulsórias, as empresas são obrigadas a recolhê-las mensalmente em percentuais que variam conforme o setor, incidentes sobre a folha de pagamentos dos empregados. Quem arrecada é a Receita Federal, também responsável por repassar os respectivos valores para nove entidades, que compõem o Sistema S.

A peculiaridade desse sistema, segundo a professora de direito tributário da FGV Direito/SP, Tathiane Piscitelli, está no fato de se tratar de contribuição arrecadada pela União, mas repassada para administração privada para o fomento de atividades de interesse público – educacional e social. “O Tribunal de Contas da União fiscaliza porque se trata de dinheiro público, mas que não está previsto no orçamento da União”, diz.

De acordo com a professora, o Supremo Tribunal Federal (STF) considera que quando esse montante é destinado às entidades que o administra, esse dinheiro perde o caráter de recurso público. Fato que aumenta ainda mais as discussões em torno do controle desses recursos e a natureza do crime praticado, quando há desvio de finalidade. “Há dúvidas se poderia ser caracterizado crime contra a ordem tributária ou crime praticado por funcionário público”, exemplifica.

Por isso, defende ser necessária uma discussão mais rígida sobre a transparência desses valores, com a criação de sanções e mecanismos mais rígidos de fiscalização.

A professora de direito tributário da PUC-SP e advogada do Madrona Advogados, Fabiana Del Padre Tomé, entende que, por ser um tributo, essas contribuições devem estar cercadas de transparência e controle por parte do TCU. Portanto, o emprego desses recursos devem ser justificados pelas entidades que os administram. “Assim como todas as contribuições parafiscais deveriam ter transparência e fiscalização em sua aplicação, já que são administradas por terceiros”, acrescenta.

Arthur Ridolfo, economista e professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), afirma que a operação da Polícia Federal para investigar suposto desvio de recursos do sistema S ocorrida nesta semana “deixa mais evidente o que já se conhece, a falta de governança do Sistema S”. “A concepção do sistema é muito boa, legítima, ele não pode acabar. O problema é a caixa preta na gestão dos recursos. A prestação de contas deixa muito a desejar”, afirma Ridolfo.

Para ele, já se passou do momento da criação de uma espécie de conselho externo, com participação de várias áreas da atividade pública com a finalidade de fiscalizar o emprego das verbas públicas. “O Brasil tem instituições respeitadas de administração, ciências contábeis e direito. Passa da hora da academia, com participação de uma ou mais instâncias de poder, desenhar um projeto de governança para o Sistema S no Brasil.”

Embora o economista aponte a importância do Sistema S para a educação e capacitação profissional do país, seu peso na educação do país caiu. Segundo o IBGE, o número de pessoas com 14 anos ou mais que frequentam cursos de qualificação profissional organizados por suas entidades vem caindo. Em 2019, o percentual chegou a 22,6%. Era de cerca de 27% no ano anterior.

Segundo a Receita Federal, o Sistema S arrecadou R$ 17,7 bilhões em 2019 de forma compulsória da folha de pagamentos das empresas. O montante foi repassado a nove entidades que compõem o sistema.

No caso da indústria, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) recebeu R$ 1,46 bilhão e o Serviço Social da Indústria outros R$ 2,09 bilhões, ambos valores administrados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). No restante do sistema, o maior repasse foi para o Serviço Social do Comércio (Sesc), que teve receitas totais de R$ 5,33 bilhões, seguido do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com R$ 3,43 bilhões, e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que ficou com R$ 2,97 bilhões no ano passado.

Os advogados da área tributária e previdenciária Gustavo Mitne e Leandro Lamussi, sócios do escritório Balera, Berbel e Mitne Advogados, lembram que está para ser julgado no STF, na próxima semana, uma ação que discute a constitucionalidade dessas contribuições. Se consideradas inconstitucionais, o Sistema S deixaria de existir.